Do alto de uma falésia, num patamar acima do mar e sob a densa tela do céu que se desdobra além do horizonte se fundindo às águas, uma senhora observa o quadro. É um cenário de placidez estética e parcimônia espiritual. Talvez por isso seja manchado com os tons da melancolia. Seus olhos baixos, subalternos, soterrados em lembranças e molhados pelas lágrimas constantes, deixavam-se levar pelo longe das linhas que compunham todo o instante. Ela era tocada pelo vento e aquilo bastava.
A senhora se pôs à frente do precipício que se precipitava ao mar estrondoso, quando batia nas rochas que estavam sob ela. Já ao longe o mar se acalmava e trazia um estado de calmaria. Ela começou a pensar-se natureza e viu que dentro dela, ondas batiam muito forte espancando suas rochas. Eram lembranças que iam e vinham, como o movimento dos mares. E essa ação insistente do fluxo marítimo provocava a ela erosão. Mas se ela se olhava para o mais distante que podia em sua alma, onde um horizonte se mesclava com o céu de seus pensamentos, via que ali, longe, porém possível e palpável (já que cabia em seu quadro de visão), um mar sereno merecia uma descrição de lago.
Ela, sendo tocada por este vento, como um maestro de único instrumento, mergulhou seus olhos baixos e tristes no fundo do mar que se abria diante dela e perdeu-os por alguns instantes. Viajando por entre ruas de água e sal e por sua imaginação. Ela perdia-se no momento único e real de ver com os olhos e com o momento ímpar e imaginário de sua alma.
Dentro da frouxa onda que se permite no mais profundo ponto do oceano, seus olhos pousaram como anêmonas a levar-se pelo misterioso. Absorvida pela possibilidade de estar ali, a senhora de fato chorou, mas sua mente compreendeu ser a água do mar que adentrava seu pensamento.
Seus dois olhos caíram dentro de ostras que estavam à espera. E as duas ostras fecharam seus olhos baixos por algumas eras. As conchas, casulos perdidos, se colocaram a trabalhar, a burilar, talhar e esculpir o que depois de tanto tempo seriam pérolas. Na imensidão do mar escuro, os olhos se transformaram com paciência e resignação. Um tesouro perdido como em contos de piratas.
A natureza tomou conta de velar sua tristeza, num porta-jóias natural. A senhora, que esperava por eras com os olhos vidrados e esperançosos, vendo a paisagem que se dispunha à composição e também adentrando seu próprio ser, decidiu abrir os olhos cheios de alma.
Paulatinamente sua pestanas se entregaram ao vento. A velha senhora chorou, derramando pelas rochas um pouco mais de mar, que foram suas angústias. Depois de mergulhar com encanto no seu próprio mar, jogou sua cabeça pra trás, mirando os olhos no sol que ardia em energia singular. Abriram-se as frestas de seu olhar, que viam agora estrias de nuvens brancas, um céu muito azul e uma liberdade que passeava por seu corpo como eletricidade.
Marcelo Asth
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